Carliane Menezes

E quando falta água? | In-cômodo | Socorro (2020)

 

SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL
Os fatos me atravessam: isolamento social. O que acontece lá fora? E aqui dentro? Hoje só resta encarar a mim mesma, diante da incapacidade de respirar, usando o autorretrato – há vigor nessa solidão – carregando a oportunidade de contemplar minhas cicatrizes. Como voltar a respirar? Diante do confronto à política de higienização, o que fazer quando a cor preta da minha pele não sai? Na busca do guia prático de sobrevivência dos últimos tempos, nosso Homo Sapiens se depara com nosso Australopithecus Africanus inclinados na tela do celular. São duas realidades coexistindo: dentro de casa e fora dela; não sei se o habito meu lar ou se ele habita em mim. Quando falta água a gente faz o quê? Meu corpo é só in-cômodo, não há posição confortável. Não está tudo bem.

1. E QUANDO FALTA ÁGUA?
A cor preta da minha pele não sai.

2. IN-CÔMODO
Não há posição confortável.  Sob referência da cena Violação de 1973 de Ana Mandieta, a proposta é (re)significar questões sobre sexualidade, divulgando os problemas da pornografia convencional como principal causadora do estupro, pois é divulgada como fetiche, onde a mulher é categorizada e as crianças são submissas. É urgente falarmos sobre estupro porque violência sexual “não é assim mesmo”.

3. SOCORRO
Por que isso está acontecendo comigo? Eu mereço? O que eu fiz de errado? Se eu não estivesse daquele jeito aquilo não teria acontecido comigo?


Carliane Menezes

Carliane Menezes, também conhecida por “Capitu”, começou a fazer zines em 2007 em papel sulfite. Escrevia reflexões acerca do tema “traição”, extraídas do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. Durante a faculdade de Filosofia, estudando Marquês de Sade, passa a escrever poesias eróticas.

Com o término do curso, houve uma mudança no seu processo criativo: passou a escrever e desenhar em tecido poesias sobre poliamor, relacionamento aberto e poligamia. Em 2017, numa pesquisa etnográfica em busca de relatos sexuais, conheceu uma turista que se afirmava ninfomaníaca, compartilhando histórias reais sobre comportamento sexual “bizarro”. Desde então, passou a pesquisar sobre pós-pornografia, no mesmo momento em que atuava como professora estadual, deparando-se com adolescentes viciados em pornografia mainstream.

Diante dessa problemática, decidiu focar na temática SEXUALIDADE FEMININA PARA ALÉM DA NORMATIVIDADE a fim de discutir questões sobre menstruação e masturbação da mulher negra. Acredita na importância de investigar a sexualidade das mulheres, (re)significando e criando uma rede de cuidados e afetos através da arte, divulgando os problemas da pornografia convencional. Capitu, hoje, usa seu próprio sangue menstrual em seus atos orgânicos, afrontando tabus, (re)descobrindo beleza na existência, compartilhando para as próximas gerações uma educação de adolescentes sem neuras a fim de prevenir uma sociedade do sexo performático.

Vale ressaltar que a artista/pesquisadora almeja criticar instituições/práticas que se dizem alternativas/tradicionais, mas que no fundo são elitistas, transfóbicas e anticoloniais. Atualmente, se dedica ao Projeto “Relato à sangue”, sob a temática ESTUPRO.  A poesia e fotografia intitulada Amar(cura) faz parte de uma antologia intitulada “Quem dera o sangue fosse só o da menstruação”, da Editora Urutau, que fala sobre liberdades, lutas e direitos da mulher.